A pandemia do coronavirus vai impactar na economia do país e com isso gerar situações desagradáveis para empresários e trabalhadores, de forma que é recomendável razoabilidade, flexibilização das regras trabalhistas e ponderação para análise de cada caso. Considerando a complexidade da situação, a professora Vólia Bomfim Cassar, que é advogada, desembargadora aposentada do TRT 1ª Região, mestre e doutora em direito e autora, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, produziu um material rico, visando esclarever pontos importantes para ambos os lados.
Com a pandemia do Coronavírus medidas podem ser tomadas ou determinadas pelo Governo e o empregador poderá optar por um dos procedimentos abaixo caso resolva fechar ou adotar medidas de prevenção. Por outro lado, os empregados devem ter ciência dos seus direitos e deveres durante o período. Abaixo, de forma reduzida, as medidas que podem ser tomadas pelos empresários.
O patrão deve comunicar a concessão de férias coletivas imediatamente e concedê-las com pagamento antecipado previsto em lei (art. 145 da CLT). Em caso de desrespeito ao prazo de 30 dias entre a comunicação e a concessão das férias, violando a regra contida no artigo 135 da CLT, há risco de futuro questionamento acerca da validade da concessão das férias coletivas. Mesmo assim, entendemos que vale o risco e, desde que haja o pagamento antecipado destas férias e do terço constitucional, a concessão deve ser considerada válida, pois a situação é de força maior e visa a proteção da coletividade, podendo ser flexibilizada a regra de que a comunicação deve ter antecedência mínima de 30 dias.
As férias coletivas podem ser concedidas a todos os empregados ou apenas a alguns setores ou filiais, devendo haver a comunicação prévia ao Ministério da Economia (antigo Ministério do Trabalho), na forma do artigo 139, p. 2º da CLT.
A Lei 13.979/20 prevê medidas de afastamento, quarentena e restrição de circulação. Em seu artigo 3º, p. 3º, a referida lei prevê o abono dos dias de falta do empregado em virtude das medidas preventivas acima, para fins de controle da epidemia. Isto quer dizer que o contrato de trabalho dos empregados atingidos pela quarentena ou pelo necessário afastamento, mesmo que não infectado, mas como medida de prevenção, ficará interrompido. Desta forma, o empregado recebe o salário sem trabalhar.
Se a licença for superior a 30 dias consecutivos, o empregado perde as férias proporcionais e novo período aquisitivo se inicia após o fim deste afastamento (art. 133, III da CLT).
Poderá o empregador ajustar por escrito com o empregado que o período de licenciamento servirá como compensação das horas extras antes laboradas ou adotar a regra do artigo 61 da CLT, abaixo explicada.
Como a situação epidemiológica se enquadra na categoria de força maior (art. 501 da CLT), poderá ser adotada a regra contida no artigo 61, p. 3º da CLT, isto é, o empregado interrompe a prestação de serviços, recebendo os salários do período e quando retornar o patrão poderá exigir, independente de ajuste escrito, até 2 horas extras por dia, por um período de até 45 dias, para compensar o período de afastamento.
Para os empregados que sempre trabalharam internamente, mas cujo serviço pode ser executado à distância através da telemática ou da informática, poderá ocorrer o ajuste, sempre de forma bilateral e por escrito, de que o serviço neste período deverá ser exercido à distância (art. 75-C, p. 1º da CLT). A lei exige a bilateralidade e ajuste expresso, mas é possível interpretação extensiva do artigo 61, p. 3º da CLT para adotar o entendimento de que, por se tratar de medida emergencial e decorrente de força maior, a determinação unilateral do patrão para converter, apenas durante este período, o trabalho presencial em telepresencial, é válida.
É possível o acordo coletivo ou a convenção coletiva prever a suspensão contratual (art. 611-A da CLT) ou a redução do salário do empregado durante o período de afastamento decorrente das medidas de contenção da epidemia, com base no artigo 7º, VI da CF c/c artigo 611-A da CLT.
Como a norma coletiva revoga os dispositivos de lei ordinária será possível, ainda, a previsão em instrumento coletivo de compensação dos dias parados com o labor, por exemplo, de 3 horas extras por dia pelo período que se fizer necessário para a completa recuperação do trabalho ou de comunicação das férias coletivas com antecedência de até dois dias antes de sua concessão, alterando a regra do artigo 135 da CLT, etc.
Como regra geral, tem-se que as hipóteses de suspensão do contrato de trabalho estão taxativamente previstas em lei e que não cabe o ajuste entre as partes para suspensão do contrato de trabalho, salvo quando requerido e em benefício do empregado. Isto se explica pelo princípio da proteção ao trabalhador que proíbe alterações in pejus e da proteção ao salário, ambos consagrados no artigo 468 da CLT e artigo 7º, VI da CF. Além disso, a regra contida no artigo 3º da Lei 13.979/20 é clara quanto ao direito à falta justa do trabalhador no período de isolamento, devendo ser interpretada como interrupção do contrato de trabalho em face da semelhança com a redação contida no artigo 131 da CLT.
Entretanto, diante de casos extremos e de situação emergencial, como um evento de força maior, a interpretação das regras trabalhistas deve ser flexibilizada e harmonizada com o princípio da função social da empresa (art. 170 da CF), para priorizar a sua proteção e garantia de sobrevivência, evitando, como consequência, centenas de despedidas e fechamento de estabelecimentos.
A própria CLT flexibilizou suas regras em caso de dificuldade econômica força maior, demonstrando a intenção do legislador de proteger as empresas e empregos neste momento crítico, como nos artigos 61, 486, 501, 503 e na Lei 4.923/65.
Partindo deste raciocínio, excecionalmente poderão ser aceitas suspensões ajustadas entre patrão e empregado, mas a medida é arriscada quando não prevista em norma coletiva.
Alguns sindicatos estão reticentes em negociar a redução dos salários ou a suspensão dos contratos. Poderiam, ao menos, chancelar (espécie de homologação individual) os ajustes de suspensão contratual, para que durante o afastamento o patrão não pague salário aos empregados. Outra alternativa é a submissão da “lide” à CCP (Comissão de Conciliação Prévia) para que esta homologue o acordo entre as partes de suspensão contratual. De qualquer forma, sem a previsão ou autorização prévia no instrumento coletivo, haverá sempre o risco de futuro questionamento da invalidade destas suspensões contratuais, salvo para o empregado hipersuficiente (art. 444, p. único CLT) que prescinde destas formalidades.
O empregado infectado pelo vírus vai se submeter às mesmas regras dos demais doentes, isto é, o empregador paga os primeiros quinze dias e a previdência paga o benefício previdenciário (auxílio doença), em caso de preenchimento dos requisitos. Este afastamento não se confunde com aquele destinado à prevenção, isto é, a quarentena ou afastamento para evitar contato com outros trabalhadores, como medida de contenção. Este caso é de interrupção enquanto aquele de licença médica (interrupção pelos primeiros 15 dias e suspensão pelo período posterior).
Poderá ser considerado acidente de trabalho atípico o caso de um empregado que foi infectado no trabalho, pois se enquadra como doença ocupacional (artigos 19 e 20 da Lei 8.213/91), salvo se comprovada a hipótese contida na alínea d, do parágrafo 1º do artigo 20 da Lei da Previdência.
Se o infectado for um trabalhador autônomo que preste serviços à empresa, ou estagiário, o afastamento também será necessário e mera omunicação basta para esse efeito. Se, todavia, for um trabalhador terceirizado, o tomador deverá impedir o trabalho imediatamente e comunicar a empresa prestadora de serviço empregadora para tomar as medidas cabíveis. Cabe lembrar que o terceirizado é subordinado à empresa prestadora e não ao tomador, mas é de responsabilidade do tomador os cuidados com o meio ambiente de trabalho, na forma do artigo 5º-A, p. 3º da Lei 6.019/74. Por isso, as ordens para cumprimento das medidas de segurança, de higiene, utilização do EPI devem partir do tomador, não excluindo a possibilidade de o patrão também fazê-lo.
O doméstico se submete às mesmas regras do empregado comum, salvo quanto ao benefício previdenciário, quando devido, já que é pago desde o primeiro dia, não se lhe aplicando a regra do pagamento pelo patrão dos primeiros 15 dias, na forma do artigo 72, I do Decreto 3.042/99.
Caso o patrão ou o próprio empregado suspeite que foi contaminado, o isolamento é medida necessária a ser tomada para evitar o contágio a outros empregados, terceiros e clientes, com as devidas precauções médicas antecedentes, como atestado médico recomendando o afastamento. Se o trabalhador for um autônomo, estagiário ou eventual, a mesma recomendação deverá ser tomada. Entretanto, caso seja um terceirizado, o tomador deverá comunicar o empregador (empresa prestadora de serviços) das medidas que tomará para proteção do meio ambiente, podendo, excepcionalmente, determinar regras de proteção à saúde e segurança do trabalho, como acima explicado.
O empregador deve tomar precauções para não praticar discriminação no ambiente de trabalho, encaminhando apenas os casos realmente suspeitos ao INSS ou ao médico do trabalho.
As empresas de tendência, isto é, aquelas em que o trabalhador precisa manter sua saúde intacta, pois trabalham com outros doentes ou com risco de contaminação coletiva ou em massa, podem obrigar todos os seus empregados e terceirizados a se submeterem ao exame preventivo do vírus, a seu custo, já que neste caso a finalidade é coletiva e de saúde pública.
As empresas devem tentar conter a pandemia do coronavírus, praticando atos que evitem o contágio e a expansão do vírus. A medida não é só de higiene e medicina de trabalho, mas também de solidariedade, de colaboração com a coletividade, de interesse público e de dever de colaboração.
Por isso, medidas como o isolamento, quarentena, exames obrigatórios em determinados casos, obrigatoriedade de uso de luvas e máscaras em casos específicos estão de acordo com a Lei 13.979/20, sempre respeitando o princípio da razoabilidade e da preponderância do coletivo sobre o individual, da saúde coletiva sobre a lucratividade.
Por sua vez, o empregado deve se submeter ao exame oferecido e custeado pelo patrão para comprovar que não está contaminado e poder trabalhar, pois o princípio da proteção à saúde pública, neste caso, prevalece sobre o princípio da privacidade.
Da mesma forma, o empregado que se recusar a utilizar EPI adequado, como luvas, máscara ou uso de álcool gel, ou que se recusar ao isolamento recomendado ou determinado coletivamente, poderá ser punido com advertência, suspensão ou justa causa.
Lado outro, o empregador que não adote as medidas preventivas e de contenção pode estar praticando justa causa, de modo a ensejar a rescisão indireta daqueles que se sentirem diretamente prejudicados. É claro que a punição máxima depende do caso concreto e da probabilidade real de contágio e disseminação.
O empregador não poderá impedir o empregado do exercício de atividades particulares, como comparecimento a locais públicos ou viagens internacionais, mas deve reagendar viagens nacionais ou internacionais a trabalho não urgentes, assim como feiras, congressos, palestras e todo e qualquer ato que coloque em risco seus trabalhadores. Ressalte-se que o empregador que obriga o empregado a viajar em período de pandemia tem responsabilidade objetiva sobre eventual contágio pelo contato com outras pessoas em decorrência deste deslocamento a trabalho (doença ocupacional – artigo 118 da Lei 8.213/91), salvo no caso do artigo 20, p. 1º, d, da Lei da Previdência.
A responsabilidade subjetiva do patrão pode ser afastada pela utilização de medidas de precaução, como higiene constante do local de trabalho, máscaras, luvas, álcool gel etc. Por isso, todas estas práticas devem ser documentadas para evitar futura alegação de responsabilidade patronal pelo contágio.
É bom lembrar que não é apenas o ambiente de trabalho que coloca em risco a saúde do trabalhador pela possibilidade de contágio, mas também a utilização do transporte público para ir e voltar do trabalho. Por isso, o isolamento é necessário mesmo no caso de a empresa possuir poucos empregados. É claro que para as atividades essenciais ou aquelas cuja interrupção acarrete prejuízo irreparável outras medidas podem ser tomadas de forma a manter contínua a atividade empresarial, como escalas de trabalho, homeoffice (mesmo que não se enquadre em teletrabalho), utilização obrigatória de álcool gel na entrada, nas salas e setores, além de máscaras e luvas, despesas que correrão sempre por conta do patrão.
No caso de a atividade econômica não resistir aos graves impactos da paralisação imposta pelo Governo ou pelas consequências do isolamento, o empregador poderá romper o contrato de trabalho dos empregados, sem justa causa, pagamento as respectivas verbas da rescisão, salvo aviso prévio e a indenização do FGTS cai para 20%, na forma dos artigos 486 e 501 da CLT.
Diante de situação emergencial e da necessária contenção da pandemia do coronavirus medidas drásticas podem ser adotadas no campo da relações de emprego. As consequências do isolamento são desastrosas para os empresários que agonizam prejuízos e para os empregados porque amedrontados pela possibilidade de contágio, desemprego ou redução de salário. Recomenda-se neste momento cautela e adoção de medidas trabalhistas temporárias de exceção para priorizar a função social da empresa e sua sobrevivência, que, em última análise visa proteger os empregos e a economia.
*Dúvidas por consulta? Envie um e-mail para voliabomfim@gmail.com
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